A FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora de alimentos e
medicamentos nos EUA) aprovou na quinta-feira o primeiro tratamento para
proporcionar visão limitada a cegos, envolvendo uma tecnologia
conhecida como retina artificial.
Com o dispositivo, pessoas que apresentam um tipo determinado de
deficiência visual grave conseguem detectar faixas de pedestres nas
ruas, a presença de pessoas ou carros e, em alguns casos, até mesmo
números ou letras grandes. A aprovação do sistema é um marco numa nova
fronteira das pesquisas com visão, um campo em que cientistas vêm
alcançando avanços grandes com terapia genética, optogenética,
células-tronco e outras estratégias.
"Isto é apenas o começo", disse Grace Shen, diretora do programa de
doenças retínicas no National Eye Institute (instituto nacional dos
olhos), que ajudou a financiar a pesquisa com retinas artificiais e está
dando suporte a muitos outros projetos de terapias para deficiência
visual grave. "Temos muitas novidades emocionantes quase prontas para
sair."
A retina artificial é uma folha de eletrodos implantada no olho. O
paciente também recebe óculos com câmera e processador de vídeo portátil
acoplados. Conhecido como Argus II, o sistema permite que sinais
visuais passem ao largo da parte danificada da retina e sejam
transmitidos ao cérebro.
Com a retina artificial, ou prótese retínica, um cego não consegue
enxergar no sentido convencional do termo, mas pode identificar os
contornos e limites dos objetos, especialmente quando há contraste entre
luz e sombra --por exemplo, fogos de artifício contra um céu noturno ou
meias brancas misturadas com pretas.
"Sem o sistema, eu não poderia enxergar nada. Se você estivesse diante
de mim e se movesse para a esquerda ou para a direita, eu não saberia",
comentou o encanador aposentado Elias Konstantopoulos, 74 anos, de
Baltimore, um dos 50 americanos e europeus que vêm usando o dispositivo
em testes clínicos. Ele disse que o aparelho lhe permite diferenciar o
meio-fio da rua e detectar os contornos de objetos e pessoas. "Quando
você não tem nada, isso é alguma coisa. É muita coisa."
A FDA aprovou o Argus II, fabricado pela Second Sight Medical Products,
para o tratamento de pessoas com retinite pigmentosa grave, na qual as
células fotorreceptoras, que recebem a luz, se deterioram.
A câmera ocular capta imagens que o videoprocessador traduz em desenhos
pixelados de luz e sombra, transmitindo-os aos eletrodos. Estes, por sua
vez, os enviam ao cérebro.
"As questões que este dispositivo colocou para a FDA foram muito novas",
comentou a Dra. Malvina Eydelman, diretora da Divisão de Dispositivos
Oftalmológicos e de Otorrinolaringológicos da FDA. "Trata-se de um
grande avanço para todo o campo da oftalmologia."
Cerca de 100 mil americanos sofrem de retinite pigmentosa, mas num
primeiro momento entre 10 mil e 15 mil poderão ser beneficiados com o
Argus II, segundo a empresa. Para isso, as pessoas precisam ter mais de
25 anos, terem tido vista útil anterior e terem deficiência visual tão
grave que o dispositivo representaria uma melhora para elas.
Mas especialistas disseram que a tecnologia é promissora para outros
cegos também, especialmente os que apresentam degeneração macular
avançada e relacionada à idade --a maior causa de perda de visão entre
pessoas mais velhas, que afeta cerca de 2 milhões de americanos. Cerca
de 50 mil pessoas teriam deficiência visual suficientemente grave para
que o dispositivo as ajudasse, disse o Dr. Robert Greenberg,
executivo-chefe da Second Sight.
Na Europa, o Argus II foi aprovado em 2011 para o tratamento de cegueira
grave decorrente de qualquer tipo de degeneração retínica externa, mas
até agora está sendo vendido para retinite pigmentosa. Nos Estados
Unidos serão necessários testes adicionais para que essa aprovação seja
conseguida.
Com o tempo, disse Greenberg, a empresa pensa em implantar eletrodos
diretamente no córtex cerebral, "para podermos tratar cegueira de
qualquer origem".
Num primeiro momento o Argus II será disponibilizado em sete hospitais
de Nova York, Califórnia, Texas, Maryland e Pensilvânia. O dispositivo
vai custar cerca de US$150 mil, valor que não inclui a cirurgia e o
treinamento. A Second Sight disse estar otimista quanto às chances de o
seguro-saúde cobrir o custo do sistema.
O Argus II foi desenvolvido ao longo de 20 anos pelo oftalmologista e
engenheiro biomédico Mark S. Humayun, da universidade de Southern
California. Parte do financiamento veio de fontes privadas e do Fundação
Nacional dos Olhos, a Fundação Nacional de Ciência e o Departamento de
Energia, todos organismos federais.
Humayun disse que enxerga a possibilidade de aplicar a tecnologia a
outras condições além da deficiência visual, implantando eletrodos em
outras partes do corpo para tratar problemas de controle da bexiga, por
exemplo, ou de paralisia da espinha. "Não visualizamos o corpo humano
como uma grade elétrica, mas ele funciona com impulsos elétricos", ele
explicou.
O Argus II foi aprovado sob um programa especial da FDA que o descreveu
como "dispositivo de uso humanitário", descrição que, segundo Eydelman,
se aplica a terapias que serão usadas para menos de 4.000 pessoas por
ano. O Argus II é apenas a 57º isenção concedida pela agência para
aparelhos humanitários. As empresas que buscam a aprovação de
dispositivos humanitários podem conduzir provas clínicas muito menores
--a Second Sight apresentou dados relativos a apenas 30 pacientes-- e só
precisam apresentar provas da segurança de uso e do "benefício
provável" de uso do aparelho, não provas de sua eficácia, disse
Eydelman.
A FDA colaborou com a Second Sight para desenvolver maneiras de medir os
benefícios, incluindo tarefas como caminhar por uma calçada sem sair
dela e juntar meias brancas, cinzas e pretas com seus pares.
Dos 30 pacientes que participaram dos testes clínicos do dispositivo, 11
apresentaram um total de 23 efeitos negativos, disse o FDA, incluindo
descolamento da retina e erosão da esclera.
Eydelman disse que a empresa "tomou medidas substanciais" para resolver
os problemas de segurança de uso, fazendo "muitas modificações no
dispositivo". De acordo com Greenberg, apenas duas pessoas precisaram
ter o implante removido. Em setembro passado, um grupo de assessoria do
FDA votou por unanimidade pela aprovação do aparelho, concluindo que
seus benefícios superam os riscos.
Alguns pacientes apresentam mais melhoras que outros, por motivos que a
empresa ainda não pôde determinar. Kathy Blake, de Fountain Valley,
Califórnia, contou que vem tendo êxito com um exercício da Second Sight
para verificar se os pacientes conseguem identificar números ou letras
grandes sobre uma tela de computador.
O advogado Dean Lloyd, de Palo Alto, Califórnia, contou que num primeiro
momento se perguntou "será que vale a pena gastar todo esse tempo e
dinheiro? Pensei que não, inicialmente." No início apenas nove dos 60
eletrodos estavam funcionando, mas com o tempo seu implante foi ajustado
de modo que mais eletrodos reagiram, e hoje 52 deles funcionam. Lloyd
consegue enxergar clarões de cor, algo que nem todos os pacientes
conseguem; ele usa os óculos e o videoprocessador constantemente.
"Se não estou usando, é como se eu estivesse sem calças", ele explicou. "Já cheguei a adormecer com esta coisa."
Stephen Rose, diretor de pesquisas da Fundação para o Combate à
Cegueira, que apoiou os trabalhos muito iniciais de Humayun mas não os
financiou desde então, disse que, com o tempo, a retina artificial será
apenas uma das opções para ajudar os deficientes visuais.
"Acho que as possibilidades são tremendas", ele comentou. "Não estou
minimizando a importância da prótese retínica, não me entenda mal. Ela é
importantíssima para algumas pessoas e já existe."
Barbara Campbell, 59 anos, aprecia o fato de o aparelho ajudá-la a andar
pelas ruas de Manhattan, localizar o ponto de ônibus e enxergar a
lâmpada na entrada de seu edifício quando está andando de táxi. Mas o
mais emocionante é que ele a ajuda a apreciar museus, teatro e
concertos.
Num show de Rod Stewart, ela contou, "consegui enxergar o cabelo dele",
loiro quase branco sob os holofotes. Num concerto de Diana Ross, apesar
de Campbell estar sentada longe do palco, a cantora "estava usando uma
roupa brilhante, e eu consegui enxergá-la".
Mas ela não teve a mesma sorte num show de James Taylor. A roupa
discreta dele não gerou contraste que a retina artificial conseguisse
registrar. Uma pena: "Ele não brilhou tanto", disse Campbell.
PAM BELLUCK
DO "NEW YORK TIMES"
DO "NEW YORK TIMES"
(Tradução CLARA ALLAIN)
Nenhum comentário:
Postar um comentário